As eleições presidenciais na Argentina do último domingo (22) puseram o empresário e ex-presidente do Boca Juniors, Maurício Macri, à frente do futuro governo argentino. A presidente brasileira, Dilma Rousseff, confirmou presença na cerimônia de posse, no próximo dia 10 de dezembro.

A tônica das eleições foi sem dúvida, o encerramento do ciclo kirchnerista de 12 anos  (2003-2015), representado pelo falecido presidente Néstor Kirchner (2003-2006) e sua esposa, Cristina Kirchner (2007-2015).

O país portenho é elemento-chave para a política externa brasileira no âmbito regional, seja do ponto de vista bilateral ou multilateral, sobretudo no que se refere ao aprofundamento do Mercosul. Segundo o próprio Itamaraty, “a proximidade com a Argentina constitui pilar importante do esforço de construção de um espaço de paz e cooperação no entorno brasileiro”. Historicamente, a disputa pela hegemonia no Cone Sul passou pela rivalidade entre Brasil e Argentina, sobretudo quanto à região do Prata, geoestratégica para os países da região. Países vizinhos como o Uruguai e o Paraguai também buscaram tirar vantagens de tal disputa.

Bom exemplo disso foi a “política externa pendular” da ditadura mais longa da América – com exceção de Castro, em Cuba -, a saber, a “Era Stroessner” (1954-1989). O general Stroessner ora favorecia interesses argentinos e ora brasileiros, consciente de que seu país, o Paraguai, deveria extrair o máximo possível dessa relação. Um dos resultados mais expressivos de tal política foi Itaipu, com a qual, finalmente, o Brasil conseguiu trazer Assunção para sua esfera de influência.

Tal rivalidade foi característica do século XIX e meados do XX. Já para o final do século, ao menos no plano do discurso, ela foi substituída pela ideia de cooperação, sobretudo em razão dos acordos iniciados com a assinatura do Tratado de Buenos Aires (1990) que culminaria, um ano depois, na assinatura do Tratado de Assunção e na formatação do Mercosul.

Durante os governos Kirchner, as relações bilaterais entre Brasil e Argentina foram produtivas em termos econômicos e políticos. Entre 2003 e 2013, o comércio bilateral elevou-se de US$ 9,24 bilhões para US$ 36,08 bilhões, um crescimento de quase 300%. Além disso, as exportações brasileiras para a Argentina cresceram de US$ 4,56 bilhões para US$ 19,61 bilhões, incremento de 330%. Em 2013, a Argentina ocupou o terceiro lugar no destino das exportações brasileiras, sendo que a exportação de manufaturas brasileiras representa cerca de 92% do total das exportações. Do ponto de vista político, diversos encontros e visitas bilaterais em níveis presidencial e ministerial demarcaram o diálogo entre os dois países. Somente o presidente Lula visitou a Argentina oito vezes (como visitas de Estado e trabalho) durante seus governos (2003-2010). Os governos Kirchner, vinculados ao Partido Peronista e com um discurso muito parecido com o do governo Lula e do PT de então, com políticas de distribuição de renda e um viés desenvolvimentista, parece ter encontrado afinidades ideológicas com o Brasil, favorecendo políticas bilaterais mais cooperativas.

Particularmente sob o governo Lula, o ideário de cooperação e solidariedade com os países Sul-Americanos configurou-se como coluna vertebral da política externa brasileira, vista pelo Ministro das Relações Exteriores de então, Celso Amorim, como forma de fortalecer os laços regionais, condição que seria sine qua non para a inserção internacional do Brasil e a busca pela democratização do Sistema Internacional, a fim de torná-lo mais equânime e justo para todos os países. Neste sentido, o protagonismo brasileiro foi pontuado por Amorim como uma “liderança positiva”, já que dedicada a organizar o espaço Sul-Americano. O discurso de Amorim e a postura da chancelaria brasileira em relação às intenções de uma suposta liderança regional fora marcada, historicamente, pela prudência no tom com os vizinhos, visando a não estimular conflitos e a estabelecer relações pacíficas, ainda mais considerando as diferenças em termos de potencialidade geográfica do Brasil. Amado Cervo (2012) chamou esta atitude de “cordialidade oficial”.

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Na esteira de tal política, o peso econômico dos dois países juntos ficou mais evidente, passando a representar mais de 2/3 de todo o PIB da América do Sul. Daí o interesse brasileiro em fazer com que prevaleça uma lógica de cooperação com a Argentina, ideia defendida por um dos principais nomes da diplomacia Lula, Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral do MRE (2003-2009), como condição estratégica para a consolidação do Mercosul e de um espaço Sul-Americano fortalecido.

O presidente agora eleito, Maurício Macri, fez algumas ponderações que considera importantes do ponto de vista da política externa e das relações com o Brasil, no plano bilateral e multilateral. A mais significativa delas se refere à proposta de que a Venezuela seja excluída do Mercosul. Macri alega que as diversas acusações de desrespeito aos direitos humanos na Venezuela, com o acirramento do governo de Maduro, confrontariam a cláusula democrática do Mercosul, argumento que também é utilizado pela oposição no plano doméstico brasileiro. Além disso, a postura defendida por Macri quanto ao Mercosul é de liberalização crescente e de acordos comerciais com outros blocos, como a Aliança do Pacífico e a União Européia, o que não diverge muito das atuais políticas do governo Dilma para o bloco, que tem defendido maior diálogo comercial com outros organismos multilaterais.

Assim, se o primeiro ponto apresenta divergência com o Brasil – que defende o diálogo e a participação da Venezuela no bloco, refutando as acusações de que os direitos humanos estariam a ser desrespeitados naquele país -, o segundo pode vir a alimentar a liberalização crescente do Mercosul e o fortalecimento do bloco do ponto de vista comercial, fazendo com que Buenos Aires e Brasília convirjam.

Macri ainda defende a expansão e o fortalecimento da agroexportação argentina, o que, diante do peso das exportações das manufaturas brasileiras para o país – sobretudo de máquinas e automóveis -, parece não criar mal-estar entre os dois países. Outro ponto é a defesa da retomada das relações bilaterais com os Estados Unidos da América e a Europa como prioritárias, além da revisão da aproximação com a China e a Rússia, países que se tornaram sócios estratégicos durante os governos Kirchners. Este último ponto pode também apontar para possíveis discordâncias com o Brasil, que tem estreitado as relações com os BRICS e tem a China como maior parceiro comercial.

Assim, o novo governo argentino, embora apresente projetos novos de política externa, mudando o eixo central das relações bilaterais para os EUA e Europa, não parece dar sinais de que promoverá mudanças agressivas na dinâmica comercial entre Brasil e Argentina. A postura atual da chancelaria brasileira do governo Dilma diante das questões políticas aparecem agora amenizadas, o que também favorece a Argentina, que busca mudanças no âmbito da política externa. Esperemos para ver.