No mês de junho de 2018, o governo de Mauricio Macri (2015-2019) recorreu aos programas de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). O acordo instituiu o programa Stand-by (SBA) por três anos, cujas condicionalidades e desembolsos são feitos de acordo com as revisões do staff do Fundo. Ao final do programa, os empréstimos totalizariam um valor de US$ 56,3 bilhões. Como parte da explicação sobre o retorno do país ao FMI, Macri apontou que o aumento das taxas de juros do Banco Central dos Estados Unidos (FED) e a elevação dos preços do petróleo em 2018 haviam prejudicado os resultados econômicos da Argentina. Além disso, na época, o mandatário argentino reforçou que as políticas econômicas implementadas durante seu governo foram necessárias para “equilibrar o desastre que deixado nas contas públicas” pelas administrações anteriores dos Kirchner.

Em agosto de 2019, a Argentina declarou moratória. Ao final desse ano, Alberto Fernández superou Mauricio Macri e foi eleito presidente do país. Logo no início de 2020, ocorreram as primeiras aproximações desse novo governo com o FMI, e até o momento, as negociações sobre a retomada do programa não foram de fato concluídas. Os primeiros sinais dados pelo novo governo demonstram seu objetivo em definir com a organização um novo programa com novas premissas, em que os termos permitam o inicio do pagamento da dívida apenas daqui a três anos. Entretanto, Gerry Rice, diretor de comunicações do FMI, ressaltou que existem limitações para o adiamento de  prazos de pagamentos e reestruturação das dívidas. Deste modo, as expectativas argentinas podem não ser cumpridas.

Do valor estipulado inicialmente pelo programa até a moratória, o FMI desembolsou US$ 44 bilhões para a Argentina. Em fevereiro de 2020, a dívida do país aos credores privados foi considerada insustentável pelo Fundo e o governo atual criticou os vários ajustes feitos no período de Macri em conjunto às recomendações da organização.

O programa de empréstimo negociado para o caso da Argentina

Os acordos baseados no programa stand-by são um dos mais antigos do Fundo, sendo utilizados desde 1952. Após a crise financeira global (2007-2008), a organização reformulou alguns critérios do programa, com o objetivo de oferecer flexibilidade nos empréstimos para os países emergentes que não se qualificariam ao Flexible Credit Line (FCL). Assim, o programa passou a ter formas de funcionamento, sendo utilizado em momentos de prevenção de crises e em outros que o seu acesso é garantido em limites normais.

O SBA tem condicionalidades consideradas como ex-post. E, a frequência na realização das revisões do programa, segundo o Fundo, depende do quadro econômico do país. Caso o empréstimo seja para fins precaucionais, a organização indica um método em que as revisões levam um prazo maior para ocorrer. Em problemas causados por uma crise na balança de pagamentos, o que exige uma resposta mais rápida e que apresentam maiores riscos, o FMI recomenda revisões trimestrais, as quais seriam, portanto, mais frequentes.

Tais condicionalidades, sendo políticas atreladas a esses empréstimos, devem ser cumpridas para  que o país continue recebendo os desembolsos. Além disso, essas medidas podem ser vistas em duas categorias: condições quantitativas e condições estruturais. Dessa forma, os critérios de cada área estipulam metas e possuem um determinado prazo para sempre implementadas.

Antes da determinação desse programa para o caso da Argentina, no período de negociações, as especulações – e a esperança do governo de Macri – eram as de que se garantisse a linha FCL. Essa linha faz parte de um conjunto de instrumentos de crédito criados pelo FMI após a crise financeira (2007-2008), que tinham como objetivo oferecer empréstimos rápidos. Desde a sua criação até julho de 2020, a linha foi utilizada apenas por cinco países: México, Colômbia e Polônia – que desde 2009 renovam esses acordos -, e mais recentemente o Chile (2020) e Peru (2020) acessaram o programa devido aos efeitos da COVID-19.

De modo geral, a linha FCL e o programa SBA se diferenciam em três aspectos fundamentais: condicionalidades, revisões e critérios de elegibilidade. As condicionalidades do FCL não são ex-post, assim, por meio de revisões periódicas, a organização realiza apenas um monitoramento para garantir que esse país continue elegível para acesso à linha. Logo, essas revisões ocorrem com menor frequência. Por exemplo, em um programa de dois anos, o staff avalia o acordo apenas uma vez.

Para ser elegível à linha FCL, o país deve seguir algumas políticas contempladas em cinco áreas colocadas pelo FMI. A primeira diz respeito à posição externa e ao acesso dos mercados. Nesses termos, o país-membro deve apresentar critérios como a conta capital majoritariamente marcada por fluxos de capitais privados. A segunda e terceira área se relacionam às políticas fiscais e monetárias. Dessa forma, o FMI analisa o nível de sustentabilidade do déficit público, inflação e as políticas utilizadas para definir as taxas de câmbio. A quarta área abrange o setor financeiro, uma vez que o país solicitante deverá ter um sistema consistente e que não apresente ameaças em sua estabilidade. Por último, a organização avalia a transparência e integridade dos dados econômicos divulgados.

A avaliação do FMI sobre o desempenho argentino e o futuro das negociações

No primeiro relatório do FMI sobre o acordo com a Argentina assinado ainda no governo Macri, o objetivo do plano econômico era o fortalecimento da economia do país por meio da restauração da confiança do mercado com a implementação de um programa macroeconômico consistente, que conseguiria reduzir o déficit. Ainda, o plano visava garantir a proteção social aos mais vulneráveis e políticas que fortalecessem a autonomia do Banco Central, visando aumentar a credibilidade das metas inflacionárias estipuladas pela instituição. Em concordância com o Fundo, o governo de Macri também garantiu que permaneceria com a determinação das taxas de câmbio flutuantes e as intervenções seriam limitadas aos períodos de volatilidades significativas.

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As condicionalidades do programa contemplam políticas fiscais e monetárias para cumprimento dessas metas informadas acima. O FMI ainda ressaltou nesse primeiro relatório, que as autoridades da Argentina tratavam o acordo como de precaução. No entanto, considerando o cumprimento das condições iniciais, a primeira parcela do crédito estava disponível para a retirada.

Nas quatro revisões do staff sobre o programa, a organização indicou os possíveis riscos do programa, realizou a avaliação do contexto econômico do país, e demonstrou a evolução da implementação das condicionalidades. Na primeira revisão, o FMI alertou que os mercados não estavam confiantes de que a Argentina iria manter seus compromissos com o programa. E, devido a deterioração da condição econômica, e as retiradas de desembolsos realizadas, o país na carta de intenção deixou de considerar o empréstimo como de precaução e pediu aumento do valor total disponibilizado no programa. Dessa forma, o recurso de US$ 50 bilhões passou para US$56,3 bilhões.

No último relatório de revisão do FMI de julho de 2019, antes da moratória, a perspectiva da organização era a de que as políticas adotadas nos períodos iniciais do acordo estavam surtindo efeitos positivos, isso devido aos resultados da melhora da posição externa do país e à gradual recuperação econômica. Por outro lado, o relatório apontava os riscos do programa de socorro financeiro naquele momento, como inflação alta e baixa confiança do mercado, ambos potencializados pelo processo eleitoral que se avizinhava. Assim, as próximas discussões deveriam centrar-se na redução desses riscos a partir de uma “calibração” da política monetária.

Após a última revisão, muita coisa aconteceu. A Argentina declarou moratória e o país mudou de presidente. Sobre o retorno das negociações, até o momento, o FMI fez uma visita ao país no início do ano para compreender os planos do novo governo. Essa comitiva alertou que, devido ao quadro de endividamento externo da Argentina, seria necessária uma reestruturação feita com o apoio dos credores privados para a sustentabilidade da dívida.

A primeira negociação da dívida externa do governo de Fernández foi apresentada em abril de 2020, mas não foi aceita pelos credores. A nova proposta, de julho de 2020, consistia basicamente em trocar os títulos emitidos oferecendo um pagamento de US$ 53,5 por US$ 100 emprestados. O FMI apontou que essa nova oferta foi um passo importante. Os credores privados, entretanto, demonstraram resistências à nova proposta.

Considerando os pontos mobilizados acima, mesmo que Macri tenha anunciado o empréstimo como “para fins de precaução” (cujas revisões costumam ter um prazo maior para ocorrer), pode-se argumentar que essa não foi avaliação do FMI. Caso fosse, o seu período de duração não seria de três anos e as revisões do staff também ocorreriam com menor frequência. Além disso, mesmo com elogios e suporte da organização às políticas seguidas no governo de Macri, essa mudança parece não ter sido suficiente para o Fundo considerar a Argentina com um histórico de políticas fortes e positivas, cujo resultado, segundo os documentos do FMI, possivelmente seria enquadrá-lo nos termos do empréstimo previsto na modalidade FCL.

No pós-2008, o FMI apresentou um discurso reafirmando que suas políticas e a sua forma de negociação conseguem oferecer uma maior flexibilidade. Conforme observado, mesmo com as mudanças no programa stand-by, ao que parece, a estrutura das condicionalidades, um dos pontos de grandes críticas dos países que tomaram empréstimos da organização nos anos 1990, possui apenas algumas poucas alterações.

Assim, ao criar linhas como a FCL que não possuem a estrutura das condicionalidades como o SBA, realizar mudanças nas quotas e criar instrumentos de créditos para países pobres, o FMI recuperou sua legitimidade no sistema ao demonstrar uma falsa aparência de mudanças internas. Deste modo, conforme os termos tratados acima, pode-se argumentar que a organização não apresenta tantas modificações em comparação ao período passado. O esperado após 2008, conforme apresentado em decisões no âmbito do G20 e as críticas dos BRICS, era que a organização mantivesse certa frequência nessas reformas das quotas, a fim de aumentar seus recursos e disponibilizar maior poder de voto para outros países. Entretanto, a última alteração significativa ocorreu em 2016, que homologou efetivamente a 14ª revisão realizada em 2010. Na 15ª revisão, de fevereiro de 2020, a decisão tomada foi por não modificar tal estrutura.

O retorno das negociações e a proposta apresentada pelo FMI podem não atender aos interesses do novo governo argentino, visto que na negociação de 2018 e até a sua moratória em 2019, o Fundo continuou apoiando as políticas seguidas por Macri.  Alberto Fernández, em oposição à administração Macri, criticou os critérios estabelecidos no acordo de 2018 e, assim, poderá seguir outro caminho


* Revisão: Marcel Artioli

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI) ou do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP)”