A ação norte-americana de lançar mísseis contra a instalação militar do governo sírio – supostamente responsável pelo ataque com armas químicas contra a população civil do país – gerou intenso debate na comunidade internacional, como Lucas Leite realçou em artigo ao NEAI, assim como provocou reações distintas na comunidade internacional. Os governos do Reino Unido, Canadá França e Alemanha estão entre os principais países que apoiaram o ataque promovido por Donald Trump. Mesmo domesticamente, embora haja debate acerca da autonomia presidencial em realizar um ataque como esse sem consulta ao Congresso, houve apoio a Trump até em setores do Partido Democrata.

O que se testemunhou, de fato, foi a velocidade com a qual as notícias acerca dos ataques se espalharam pelo mundo, impulsionadas pela dinâmica imediata das redes sociais, levando jornalistas e analistas a um verdadeiro frenesi na busca por compreender as motivações do ataque e suas possíveis consequências, principalmente pela oposição evidente que os EUA fizeram à Rússia a partir do bombardeio a Bashar al-Assad.

Alguns dias após o ocorrido, é possível estabelecer com mais clareza as motivações e os impactos da ação orquestrada pelos EUA contra Assad e como ela se relaciona com o modus operandi da administração Trump. Aparentemente, foi um ataque pontual, destinado, nas palavras do Presidente norte-americano, a “prevenir e desencorajar a proliferação e utilização de armas químicas letais”, e, segundo o Departamento de Estado dos EUA, a “dissuadir o governo sírio de utilizar armas químicas novamente”.

De fato, não há documentos formais elaborados pelo governo norte-americano para pautar a discussão acerca da estratégia – se é que ela existe – por trás da conflagração dos ataques recentes à Síria. É provável que encontremos em breve mais explicações em um tweet de Donald Trump do que em um Policy Paper formalmente divulgado pelo Pentágono.

A motivação aparentemente singular e pontual do ataque demonstra na realidade a simplicidade do raciocínio de Trump, que de maneira alguma é capaz de gerar uma solução eficaz para uma crise complexa como a que a Síria enfrenta desde 2011. Exemplo disso é o bombardeio efetuado pela coalizão liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico em Al Raqqa na Síria, posterior ao lançamento de mísseis contra Bashar al-Assad. Nesse sentido, em menos de 48h os EUA atacaram dois lados opostos de um mesmo conflito.

O problema é que, na elaboração de políticas públicas gerais, a democracia norte-americana faz seu papel de oferecer mecanismos de freios e contrapesos às decisões de Trump, como é o caso da indisposição com o judiciário no caso dos decretos barrando a entrada de nacionais de determinados países nos EUA. No entanto, o Presidente dos EUA também é o Comandante-chefe das Forças Armadas do país, gozando de relativa autonomia na utilização pontual de aparatos bélicos.

Leia mais:  Tensões entre Rússia e Turquia testam Ocidente

Nesse sentido, Trump parece ter encontrado na utilização de sua força militar a autonomia que buscava na elaboração de políticas públicas como um todo, da mesma maneira que ele executa na administração de suas empresas. O republicano reverteu recentemente uma série de medidas protocolares que Obama havia imposto à utilização de Drones para evitar a morte de civis, devolvendo à CIA certa autonomia na condução desse tipo de ataque. O próprio ataque a Assad gerou um impasse jurídico nos EUA devido ao fato de Trump não ter sequer consultado o Congresso, gerando opiniões divergentes acerca da definição conceitual do que é uma “declaração de guerra” e da autonomia do Presidente em realizar ataques dessa proporção.

Seria esse o estabelecimento de uma Doutrina Trump? Nos últimos dias, Trump deslocou forças navais rumo à península coreana, em uma ação de evidente desafio ao governo norte-coreano. Teria sido, portanto, o ataque a Assad vinculado mais a uma estratégia de demonstração da disposição de utilizar a força efetivamente em nível global – e de intimidar regimes como o da Coreia do Norte e Irã, por exemplo – do que vinculado ao conflito sírio em si? Estaríamos testemunhando a retomada de impulsos unilateralistas por parte dos EUA em detrimento das instituições multilaterais? Ou estariam os especialistas buscando a identificação de estratégias racionais em meio a atitudes meramente passionais e impulsivas por parte de Trump?

Tendo em vista a curta distância temporal entre os ataques químicos contra a população civil e a resposta norte-americana, conclui-se que, de fato, ela foi fruto de uma ação improvisada e desprovida de sentido estratégico para a resolução do conflito sírio em si. Nesse sentido, a mentalidade de Donald Trump na elaboração de suas políticas parece se limitar aos 140 caracteres do Twitter, com soluções simples e populistas para problemas complexos, obedecendo ao imediatismo imposto pela utilização de redes sociais para governar e ao nível de autonomia que suas ambições pessoais o impelem a almejar.