Em 2005, o presidente uruguaio Tabaré Vázquez acolheu o convite do então presidente Lula e realizou seu primeiro encontro bilateral no exterior: uma visita de Estado, o encontro de mais alto nível dentro da linguagem diplomática, à Brasília. Dez anos depois, a história se repete. O mesmo presidente Tabaré, novamente em início de mandato, aceitou o convite do governo brasileiro e elegeu Brasília como primeira viagem internacional, novamente com honras de visita de Estado, a primeira desde 2005. José Mujica, ex-presidente uruguaio, ainda que tenha sido uma figura assídua em solo brasileiro nos últimos anos, não realizou nenhuma visita desse nível.

Se o contexto em 2005 era de plena expansão das relações bilaterais e regionais, de alargamento de projetos e aprofundamento da integração, o cenário atual alterou o tom dos discursos, que se tornaram mais cautelosos e parecem repensar algumas estratégias visando garantir novo fôlego para a região. Dentre tantos temas polêmicos em voga, como o futuro do Mercosul, Tabaré e Dilma Rousseff citaram a atual instabilidade venezuelana, que vem se alastrando desde que Nicolás Maduro subiu ao poder, em março de 2013.

A Venezuela passa por grave crise socioeconômica, com insuficiência de itens básicos para a população, uma inflação que gira em torno de 70%, sobrevalorização cambial e queda no preço do barril de petróleo – um dos alicerces da economia venezuelana. A situação se deteriorou ainda mais após a prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, em fevereiro desse ano, acusado de estar orquestrando um golpe contra o atual governo. Tais fatores, somados à extrema polarização política e aos embates vividos por Maduro dentro do chavismo, têm ampliado as tensões locais.

Ainda que com maior intensidade, a situação venezuelana pode ser comparada à de outros países da região, inclusive o Brasil. As denúncias de corrupção dentro da estatal Petrobrás ocuparam bom espaço na pauta eleitoral de 2014 e continuam sendo o principal mote da oposição, que começa a dar sinais de uma articulação menos porosa do que se via nos governos anteriores. Aqui também se assiste a um processo de desvalorização da moeda local ante o dólar e a um aumento do radicalismo político, especialmente em termos do debate público. Ademais, o nível de popularidade presidencial tem despencado rapidamente tanto na Venezuela quanto no Brasil, onde o termo impeachment voltou com toda a força.

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A América Latina tem passado nos últimos anos por processos recorrentes de ruptura da ordem democrática, como visto na própria Venezuela (2002), no Haiti (2004), em Honduras (2009), no Equador (2010) e no Paraguai (2012). Um novo ator que tem buscado desempenhar papel de destaque no cenário regional, no tocante ao gerenciamento de crises, é a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), hoje presidida pelo Uruguai de Tabaré. Na declaração conjunta de Dilma e de seu contraparte uruguaio, em maio desse ano, defende-se a resolução do conflito venezuelano democraticamente, ressaltando o papel central da união sul-americana para a promoção da paz e da democracia na região. Contudo, há um novo ponto focal no cenário regional: as eleições parlamentares venezuelanas, em dezembro próximo. O presidente Nicolás Maduro chegou a afirmar que nenhum observador internacional seria admitido durante o processo eleitoral, porém, no dia 13 de agosto, a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena, afirmou que as eleições terão acompanhantes internacionais, mas não observadores. Segundo ela, a Venezuela tem um sistema altamente transparente e um programa eficaz de observadores nacionais, o que eximiria a necessidade de organismos internacionais no processo.

A questão é: que papel o Brasil pode e deve desempenhar nesse momento? No atual contexto de polarização ideológica, qualquer ação pode provocar reações desmedidas na situação e na oposição (aqui e lá). A saída seria manter a estratégia que Brasília vem adotando desde 2008: agir multilateralmente via Unasul. A União, inclusive, vem se especializando nas chamadas “missões eleitorais”: só em 2015 já monitorou os processos na Bolívia, na Guiana e no Suriname. A não aceitação de Maduro dos observadores unasulinos enfraqueceria a almejada posição da Unasul como principal fórum político regional e de mediação de crises, projeto encabeçado especialmente pelo Brasil. Equacionar essas variáveis, em meio a maior crise política e econômica interna das últimas duas décadas, é a primeira grande prova de fogo da diplomacia no atual mandato de Dilma.