Em meio a uma crise política, econômica e social que se estende desde 2013, a Venezuela busca alternativas para recuperar-se da recessão econômica, do déficit fiscal e de elevados índices de inflação. Apesar de ser membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), as exportações do produto não têm sido suficientes para impulsionar a retomada do crescimento econômico. Dada a alta dependência econômica da Venezuela em relação às exportações da commodity em um cenário de diminuição da produção da estatal PDVSA e de grande queda nos preços do petróleo, iniciou-se a crise.

Recentemente, o presidente venezuelano Nicolás Maduro visitou a China em busca de apoio para seu plano de recuperação econômica. Principal país credor da Venezuela, a China demonstrou apoiar o presidente latino-americano tanto por meio de palavras, expressando as necessidades de estabelecer a confiança e a amizade entre os dois países e de promover esforços para desenvolver a economia venezuelana, quanto por meio da assinatura de acordos econômicos conjuntos que liberam novas linhas de crédito em cifras de bilhões de dólares para a Venezuela.

As respostas à crise não vêm apenas de acordos internacionais. Internamente, Maduro implantou um plano de recuperação econômica que, entre outras medidas, se baseia em controle de preços, criação de nova moeda e aumento do salário mínimo. Em síntese, o novo plano econômico é composto por oito etapas: 1) criação do bolívar soberano, a partir de corte de cinco zeros na antiga moeda e ancorada na criptomoeda estatal; 2) câmbio definido em 3600 bolívares soberanos por petro; 3) salários mínimos e pensões fixadas em 0,5 petro (1800 bolívares soberanos); 4) pagamento de bônus de conversão a cerca de 10 milhões de pessoas no valor de 600 bolívares soberanos; 5) diferença salarial de pequenas e médias indústrias do setor privado assumida pelo governo por três meses; 6) fim dos subsídios à gasolina daqui a dois anos; 7) encaminhamento de conjunto de leis ao Congresso para melhora dos mecanismos de arrecadação de impostos, visando zerar o déficit fiscal; e 8) ampliação das reservas.

A nova moeda – o bolívar soberano –, criada em agosto devido à hiperinflação que assola o país, está atrelada à moeda virtual Petro, criada pelo governo e que varia de acordo com os preços do petróleo. Assim, instituiu-se que 100 mil bolívares (a antiga moeda) equivaleriam a um bolívar soberano.

A ideia de criar uma criptomoeda estatal surgiu ao final de 2017 como forma de “vencer o bloqueio financeiro”, permitindo a efetuação de transações financeiras no exterior, sendo lastreada nas reservas venezuelanas de petróleo, diamantes, ouro e outros minérios. A petro, de acordo com Maduro, permitirá o avanço em novas formas de financiamento internacional para a promoção do desenvolvimento econômico e social da Venezuela. A base institucional, política e jurídica da moeda será dada pelo Observatório do Blockchain, instituição criada no país para o controle das transações em petro.

De acordo com o site oficial do governo da Venezuela, a criação da moeda remonta à ideia de Hugo Chávez de uma moeda forte respaldada por matérias primas, aos moldes do antigo padrão-dólar ouro em que a moeda estadunidense era utilizada para as transações econômicas internacionais, mas lastreada no ouro, o que determinava a paridade e impedia a emissão da moeda para além das reservas em ouro do país. A petro se propõe a ser um criptoativo soberano emitido pelo governo que contribuirá para o desenvolvimento, a autonomia e o comércio entre os países emergentes, além de garantir a estabilidade econômica e independência financeira da Venezuela.

Leia mais:  Dossier / La posible resurrección de la OEA, por Javier El-Hage

A petro foi imposta aos bancos venezuelanos no final de agosto de 2018 com preço fixado em um barril de petróleo. A paridade, portanto, ficou estipulada como um barril de petróleo venezuelano equivalente a um petro que, por sua vez, corresponde a 3600 bolívares soberanos. Diferentemente das famosas criptomoedas como o bitcoin, a petro é emitida pelo governo e os 100 milhões totais de tokens já foram minerados quando de sua criação. Para poder operar tanto com a criptomoeda quanto com o bolívar soberano, os bancos terão que se adaptar tecnologicamente, além de exibir todas as transações nos valores das duas moedas.

Para o presidente da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain, Fernando Furlan, a petro é uma fraude do ponto de vista técnico. Isso porque o princípio da tecnologia blockchain, que é a base das criptomoedas, de ausência de uma terceira parte centralizadora não se aplica no caso da petro justamente por ser emitida pelo governo da Venezuela. A tecnologia blockchain permite que os próprios agentes envolvidos nas transações com criptomoedas verifiquem e validem a autenticidade das transações, por meio de um sistema criptografado de encadeamento de dados.

A nova criptomoeda estatal tem levantado diversas questões, inclusive sobre possíveis prejuízos às criptomoedas legítimas. Ao instituir a petro como moeda oficial da PDVSA, Maduro arrisca diminuir as vendas de petróleo, visto que os países importadores poderiam se recusar a pagar as importações com a criptomoeda venezuelana. As contradições sobre a petro aparecem, inclusive, entre os membros do governo. Maduro afirma que a venda da criptomoeda rendeu 3,3 bilhões de dólares, garantindo a importação de alimentos e remédios. Hugbel Roa, ministro venezuelano envolvido no projeto, afirma que a criptomoeda ainda não foi utilizada e nenhum recurso foi recebido. A agência do governo responsável pela supervisão, a Superintendência de Criptoativos, ainda não funciona fisicamente no prédio do Ministério das Finanças.

Os próprios venezuelanos não endossaram a moeda, preferindo comprar bitcoins a petro, por exemplo. Não há sinais de transações em petro, a criptomoeda não é vendida em grandes casas de câmbio e não foram encontradas lojas que a aceitem. Os poucos compradores foram encontrados em sites de discussão sobre criptomoedas, mas não há conclusões sobre a utilidade da moeda: um alega ter sido ludibriado, outro culpa os Estados Unidos e a imprensa por prejudicarem o lançamento da moeda. A ideia de Maduro para recuperar a economia venezuelana se assemelha à própria petro: intangível e irreal. Resta saber se o presidente pagará suas contas com a criptomoeda…