Maria João Guimarães

Artigo publicado no jornal português Público (https://www.publico.pt/) em 16 de Março de 2017.


 

Primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, em trajetória descendente, recorreu a retórica anti-imigração. Esquerda Verde consegue grande resultado com discurso da “empatia”. A clivagem é entre cosmopolitismo e nacionalismo.

 

Para quem viu as eleições holandesas como um primeiro teste à progressão do populismo na Europa, o resultado da votação de quarta-feira foi uma boa notícia: o político de extrema-direita Geert Wilders conseguiu um relativamente tímido segundo lugar, quase empatado com dois outros partidos, e, apesar de ter subido a sua votação, está longe de ter tido o seu melhor resultado de sempre (em 2010 conseguiu mais votos e mais deputados).

Mas há mais do que os números da votação. O primeiro-ministro, Mark Rutte, um dos líderes da União Europeia há mais tempo no poder, atrás do húngaro Viktor Orbán e da alemã Angela Merkel, recorreu a um discurso anti-imigração para cativar eleitores que poderiam ser seduzidos pelas duras palavras de Wilders em relação aos imigrantes. Começou com uma carta, em que pedia para os imigrantes “agirem normalmente ou se irem embora”, e continuou com uma campanha assente na referência a um comportamento “normal”.

Essa retórica deixa todos os cidadãos com ascendência estrangeira com a sensação de terem de se sujeitar a provas que mostrem que estão a comportar-se normalmente – e deixando assim implícito que nunca serão incondicionalmente cidadãos holandeses.

Este tipo de discurso contaminou também o partido democrata-cristão (CDA), que ficou em terceiro, com 19 deputados (assim como os liberais de esquerda do D66). O líder do partido chegou a exigir, na reta final da campanha, que a rainha Máxima desistisse do seu passaporte argentino – assim como todos os holandeses que têm dupla nacionalidade, já que manter a segunda nacionalidade “é uma escolha” e “torna difícil a integração das pessoas na sociedade holandesa”.

Outro fator que ajudou Rutte foi a sua atitude dura no diferendo com a Turquia. Se, quando há um conflito entre países, a tendência dos eleitores é ficarem ao lado de quem está no poder, também há vários analistas a dizer que Rutte agiu tão duramente por estar em campanha eleitoral, e desafiado por um Wilders que pegou na questão para repetir em cada tweet: “Vão-se embora, esta é a nossa terra.”

Para a analista Sarah de Lange, o resultado, apesar de toda a fragmentação, é claro numa coisa, como escreveu no Twitter: “A clivagem cultural está a tornar-se ainda mais importante, com a divisão entre cosmopolitas versus nacionalistas.”

Tragédia social-democrata

Rutte é, além disso, um vencedor fraco. A tendência de descida dos partidos tradicionais, que se tem visto em vários países europeus, assumiu aqui a versão de enorme derrota, com a fragmentação a fazer com que o partido mais votado tenha apenas 21,2% dos votos. Mas a verdadeira tragédia é a do PvdA, o partido social-democrata que assumiu também a aplicação de medidas de austeridade: o partido passou de 39 para apenas nove deputados.

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A força que mais cresceu foi a Esquerda Verde (GL), de quatro para 14 deputados. A campanha de Jesse Klaver, que tem semelhanças físicas com o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, e no discurso por vezes faz lembrar Barack Obama, centrou-se nas ideias de “mudança” e de “empatia”.

Na festa deste partido na noite de quarta-feira, os apoiantes de Klaver estavam muito felizes, mas havia uma nota agridoce, porque, ainda que a vitória tenha sido enorme, algumas projeções tinham chegado a dar um segundo lugar ao partido. E porque, em conjunto, o bloco da direita continuava a ter certo o domínio do Governo.

Mas Klaver fez um discurso otimista virado para dentro – “Holanda, ainda não viste nada!”, gritou no final do discurso – e para fora – pedindo à esquerda europeia que não mude para se conformar com o que julga que o povo quer e manter a sua identidade. “Mantenham os vossos princípios. Sejam pró-refugiados.”

Governo minoritário?

A Holanda entra agora no período de conversações para a formação do governo – e a coligação até poderia incluir a Esquerda Verde, já que, juntos, o partido de centro-direita e cada vez mais à direita de Mark Rutte, os democratas-cristãos (CDA) e o D66 (liberal) não chegam a ter maioria, e, com tantos deputados, o partido de Klaver seria o mais bem colocado.

Mas, como explica a professora de Ciência Política da Universidade Livre de Amesterdão Barbara Vis, as medidas no centro do programa do partido, como a diminuição da desigualdade de rendimento, não estão na mesma linha das medidas dos programas dos outros partidos. Uma coligação destas funcionaria apenas se a Esquerda Verde estivesse disposta a um grande compromisso, e é difícil ver até que ponto estaria disposta a isso.

O mesmo se passa com outro potencial parceiro de coligação, o PvdA, que teria de fazer novamente compromissos, algo que deverá ser improvável depois de uma tão grande derrota eleitoral. Outra possibilidade seria uma coligação à direita, com partidos religiosos extremamente conservadores como o SGP (que foi alvo de um processo no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por não permitir candidatas mulheres). Será difícil de conceber.

A hipótese de um governo minoritário com o VVD de Rutte, os democratas-cristãos e o D66 começa a ganhar força. Seria a primeira vez em termos estritos que a Holanda teria um governo minoritário sem um apoio estável na oposição parlamentar – este modelo de apoio sem lugares no Governo foi tentado por Rutte com Wilders em 2010, mas só durou pouco mais de um ano.

Na verdade, aponta Barbara Vis, o Governo cessante já não tinha a maioria na câmara alta, o que poderá ser um prenúncio para que esta solução seja a preferida.