Fernanda Magnotta 

Jillian Rafferty


Tudo nesta vida é uma questão de expectativas. Isso todos nós já sabemos.

Antes do debate presidencial da noite de segunda-feira, 26/9, nos Estados Unidos, muitas questões permaneciam em aberto. Conversando com uma colega norte-americana, decidimos acompanhar o debate em sintonia. Jillian Rafferty é estudante de mestrado na Universidade de Harvard na área de políticas públicas e direito, e assistia ao confronto entre Hillary e Trump diretamente da John F. Kennedy School of Government, em Harvard. Eu, da minha parte, fazia o mesmo direto dos estúdios de uma rede de TV em São Paulo, que transmitia o debate ao vivo.

Separadas por quase 8.000 quilômetros e por tantas outras particularidades, o nosso entorno era curiosamente semelhante. Todos especulavam sobre o que aquela noite traria de novo e de certa forma entoavam um mesmo refrão: “Trump vai ganhar. Não importa quão bem Hillary se saia. Qualquer coisa mesmo perto de um empate é uma vitória para Trump”.

Hillary entrou no debate em uma posição relativamente mais fraca do que poderíamos ter previsto há algumas semanas. Uma combinação da pneumonia que teve, dos reflexos da contínua retórica agressiva de Donald, do fato de representar a continuidade de um governo que está (desgastado) no poder e sabem-se quantos outros fatores que empurraram os dois candidatos em direção a uma paridade relativa nas pesquisas.

Como um outsider legitimado por boa parte da classe média, Donald chegou ao debate empoderado e tendo que administrar poucas cobranças. Tudo o que tinha de conquistar era um empate. Mesmo diante de uma eventual perda, portanto, Trump acabaria por ganhar algo, se ele pudesse, por menos de duas horas numa segunda-feira à noite, se comportar como um presidenciável.

A conclusão disso? As análises do pré-debate nos fizeram crer que as expectativas para Trump eram demasiado baixas enquanto, num jogo de soma zero, para Hillary elas eram muito mais altas. Essa é uma equação fundamental para avaliar os resultados do confronto. Nesse sentido é que o debate revelou a sua nuance mais importante.

Hillary apresentou a imagem de uma líder articulada e reflexiva. Temos o cuidado de dizer líder – e não política – porque mesmo tergiversando em alguns momentos, ela enfrentou diversos problemas de frente. Ela falou da violência policial, abordou o tema do preconceito implícito e do racismo, e assumiu a responsabilidade – como Bernie Sanders tão eloquentemente colocou durante as primárias – sobre os “malditos emails”. Além disso, agiu com humor, calma e know-how político.

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Em contraste, Donald falhou em entregar o que lhe foi pedido. Não é óbvio que ele tenha conseguido o desejado empate e nem parece claro que tenha consolidado sua imagem como de alguém que está pronto para ser presidente. Em boa parte dos temas, tampouco apresentou propostas.

Mas olhando para além do desempenho em comparação às previsões, o que a noite da última segunda-feira significa para a eleição geral?

Nenhum candidato entraria no debate para, de fato, conquistar as pessoas que hoje já se opõem às suas respectivas candidaturas. Em outras palavras, Hillary não entrou para conquistar a direita conservadora e os republicanos anti-establishment, assim como Trump não pretendia convencer democratas progressistas.

A verdadeira questão em jogo era capitanear gente indecisa de centro. Apesar disso, Trump falou para o seu próprio público. Hillary se esforçou para ampliar o alcance. Após o desempenho de ontem à noite, o eleitorado norte-americano presenciou o show de um fanfarrão da intimidação versus a eloquência de uma líder experiente. As primeiras sondagens pós-debate realizadas pela CNN confirmaram essa impressão, já que algo na faixa de 90 por cento dos eleitores que estavam indecisos antes do debate declararam que viram Hillary como a vencedora da noite, contra apenas 10 por cento que se sentiram da mesma maneira sobre Donald. De forma geral, a mesma pesquisa consolidada indicou que Hillary havia vencido para 62% do público; Trump foi o vencedor para apenas 27%.

Sabemos que muitas vezes os debates têm menos a ver com a substância das ideias e mais com a forma como são apresentadas. Trump se beneficia deste formato. Com frases feitas e linguagem acessível, causa impacto no eleitorado. Com isso, confunde à primeira vista.

Hillary ainda enfrenta os desafios de criar empatia, de reforçar sua credibilidade e de conquistar, sobretudo, o eleitorado jovem. Ao ter preferido se ater ao script, ela perdeu a chance de, com naturalidade, expor o pouco conhecimento factual de Trump. Por precaução ou por baixa capacidade de improviso, não se sabe. Apesar disso, de Boston a São Paulo a sensação parece ter sido a mesma: se o objetivo era atingir um público fora da zona de conforto, Hillary ganhou o debate.